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Wanderlino Arruda
Djalma Souto




 

Rosa Clement

Mariposa

Meus dias passarão tal como hoje,
marcados na sentença deste pouso
onde o vento não abre minhas asas
e só me faz a presa dessas horas...

Sou eu a mariposa na vidraça
olhando as borboletas da paisagem,
que dançam sob os prazeres do vento,
na luz que amo tanto sem mistério.

O tempo passará sempre ofuscante
trazendo borboletas frente a mim,
detidas neste sonho dos meus olhos.

Resta-me debater tão loucamente
para voar, e nos ares sentir
a minha luz, meu vento, meu amor.

Vestido de Flores
Estava na vitrine esse vestido,
talhado num perfeito manequim--
bem justo em flores bege de cetim--
não visto pelo corpo bem nutrido.

Dos meus tantos, seria o mais querido,
o que mais teria o cheiro de jasmim.
Iria com meus brincos cor marfim;
para o meu bem seria o escolhido.

Mas eu não tenho vida de artista,
nem minhas curvas foram as pensadas
para encaixar no traço do estilista.

Pagaria por tal vestido à vista,
mas estas gordurinhas sempre amadas
nao cabem nessa moda consumista.


Manaus de Antigamente

Antigamente tudo era perto,
a praça, a igreja... e a gente
andava, ria, rezava mais,
e era muito menos doente.

Comprávamos pão em sacolas
bordadas com muito carinho,
que mostravam a primavera
com cheiro de pão quentinho.

O leite de vaca na porta
tinha um sabor verdadeiro
e eram delícias na mesa,
e confiança no leiteiro.

E eram tantos os amigos
conversando nas calçadas,
enchendo as praças antigas,
e ruas empoeiradas.

Nas noites, os apaixonados
se declaravam às donzelas,
com violões, serenatas,
trazendo os pais às janelas...
Agora Manaus cresceu -
ganhou teias de rodovias
que transparentes não cobrem
recordações dos velhos dias.


Um poema

No horizonte vermelho,
a vista da cidade, a palma delgada,
o urubu sobrevoando...
Na minha mesa,
o lápis descansa no papel
a espera de um pensamento
que vagueia.
O luar chegando,
transformando troncos de carvalhos
em colunas de templos...
O papel branco
ganha as cores de versos.
Entre as cortinas,
a lua desenha
a primeira sombra,
e a noite entrega
um poema em meu papel.


homens ligeiros
carregando algodão,
rostos suados

gansos dormindo
no solo barrento,
esperando a chuva

colhendo milho
para fazer bolinhos -
dia de graça.

campos de girassóis
ultrapassam horizontes -
quero alcançá-los


Se eu morresse hoje

Se eu morresse hoje,
que vexame, meu Deus.
Nem herança teria,
e somente deixaria
uma pilha de contas,
e muito por arrumar!
Seu João lá da esquina,
pra quem devo grana preta,
iria me amaldiçoar.
E a pobre D. Laura
de quem compro comida,
que diria?
pois como o melhor freguês,
lhe garanto o salário do mês.
E o mestre João de Deus,
sorriria aos quatro cantos,
por mais um caixão que vendeu.
E o homem do cemitério
indiferente diria:
aí vem outro difunto,
pra cidade dos pés juntos.
Mas então pra compensar,
meu amor me abraçaria, choraria,
quem sabe por quantos dias,
e me encheria de flores,
e com certeza
viria me visitar!


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