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Wanderlino Arruda
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Aventuras no mar

Wanderlino Arruda

Antes de mais nada, confesso que nasci muito longe do mar, algumas centenas de bons quilômetros de distância, separado por céus e terras, pela Serra Geral, pelo Rio Pardo e por muitos outros acidentes geográficos. Quem conhece sabe que a velha cidade de São João do Paraíso está cravada num recolhido sertão entre a Bahia de Condeúbas e o norte das Minas Gerais, longe, muito longe do mar, sem nenhuma condição de ter filho com vocação para marinheiro. O único mar que nós tínhamos por lá, e nos bons tempos de fartura, era o manso e tranqüilo verde canavial, lindo e extenso, adorável vale de maravilhas, parecia feito para as peraltices do menino ou para as saudades do futuro adolescente sentimental.
O mar só me veio aos dezenove anos. Ou melhor, só fui a ele depois de muitos anos de vida bem vivida, em Salinas, Mato Verde, Taiobeiras e, principalmente, em Montes Claros. Não era um mar tão lindo como o de Maceió, o mais lindo do mundo: o mar da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, já em cinqüenta e quatro, vivia cheio de manchas de óleo, subproduto pouco simpático da presença constantes de navios e barcos petroleiros. O de Copacabana era bonito, violento, transparente, rolado em branquíssimas espumas, mas distante para o convívio de um mineiro interiorano e retraído.
O mar de Niterói, das barcas da Cantareira, do aerobarco, era um mar de vai-e-vem de início e fim de dia útil, promessa e lembrança de trabalho. Mar da Bahia, mar de Todos os Santos, de Itaparica, aonde fui, há muitos anos, com Olímpia, visitar um velho professor e de onde partimos, recentemente, com a turma toda, embarcados de carro e tudo num “ferryboat”, para um bom período de férias entre a praia e as dunas baianas.
Mar de Santa Catarina é em Camboriú ou Florianópolis, mar dos passeios de barco pelas velhas ilhotas, cenário de vetustas fortalezas, de construções do militarismo colonial, onde as paredes portuguesas de pedras brasileiras ainda estão de pé, metro e meio de largura, cobertas de musgos e espinhos, testemunhando o tempo e o contratempo de nossa história. Mar de Torres, no Rio Grande do Sul, revolto e atuante a esbater-se nas pedras e nos turistas. Mar de Ilhéus, de Valença e de Olivença, mar sujo de Santos poluído e proibido. Mar de Vila Velha, de Vitória, de Anchieta, da muito Nova Almeida, todos no Espírito Santo, povoados de mineiros, de uma mineirada de nunca acabar. Mar de Fortaleza, verdes mares da terra cearense, mares de Alencar e de Iracema. Mar de Natal, de João Pessoa, mar de Boa Viagem em Recife. Mar de Olinda, transbordante de belezas de sonhos.
Mas, de que mar e em que mar foi mesmo a minha aventura?
No mar doce do Amazonas, onde vi o encontro das águas do Rio Negro lado a lado com as do Rio Solimões, correndo coloridas, sem se misturar? Foi em Leixões, berço idolatrado da raça lusitana? Foi em Sintra, na Boca do Inferno, onde se afirma, morreu Fernando Pessoa, o Super-Camões? Foi em São Luís, de viagem para Alcântara, quando o barco revolto e balançando como bêbado quase se vê presa fácil dos ventos e das águas? Não sei, não sei...
Em que mar não sei... A vida é um mar aberto, nem sempre azul, poucas vezes sereno, muitas vezes agitado. Navegante há mais de quarenta e quatro, muita água passou por baixo do barco e muito vento soprou de lado e por cima.
Como dizia muito bem o bom Guimarães Rosa, viver é perigoso. A vida em si já é um grande perigo, um mar de aventuras...


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