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Wanderlino Arruda
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Fundação de Burarama

Wanderlino Arruda

A decisão definitiva de mudar-se para a quase beira do Rio Verde, no Sapé, meio de mundo cercado, de matas compradas do Dr. Marcianinho, foi tomada em Belo Horizonte. Era uma decisão bem desenhada de sonhos, cheia de cuidados com um cheiro romântico e premeditado de aventuras na densa floresta e nos macios carinhos da mulher mais linda do mundo, que eu acabara de conquistar depois de seis meses de investidas. Maria Aparecida, Neném, maravilha de 20 anos, morena clara, olhos castanhos da cor de uma noite de Caruaru, pele nova e aveludada de doce mangaba, fala de uma musicalidade que só uma fada poderia ter, era tudo e muito mais do que eu poderia pedir a Deus. Era o que eu sempre sonhara em todas as horas fáceis e difíceis da vida. Estava decidido, e esta decisão jurada no bonito apartamento do Brasil Palace, de frente para a avenida, não poderia vir em hora melhor. Neném não aceitava de modo nenhum morar comigo em Montes Claros, e em Belo Horizonte eu não podia ficar por causa dos negócios aqui no Norte. O Sapé era uma vilazinha velha, sem conforto, feinha até, mas nada me importava, pois a o lado de Neném eu haveria de criar uma cidade nova, novinha, onde ela fosse a rainha. Quem houvesse de viver, veria!
Neném ficou em Belo Horizonte mais duas semanas para dar tempo ao tempo, indo depois para mais uns quinze dias na casa de D. Altina, no Alto São João. Foi o prazo para eu comprar pneus novos para os caminhões, ajeitar alguma coisa nos motores, aprontar as ferramentas e ensacar o que comer e pegar gasolina tão difícil na época. Antônio Miguel, Mestre Severino, Epifânio e José Porfírio, além dos motoristas a postos, só esperavam a ordem de viajar. Foi uma dura travessia de muito esforço e suor, principalmente depois de Brejo das Almas, em estradas feitas para animais e quando muito para carroções e carros de bois. As enxadas e os enxadões, as picaretas e alavancas não pararam tempo nenhum pela tarefa de derrubar barrancos e tapar buracos, acertando aqui e ali, empurrando pedras nos carreiros das rodas dentro dos rios e córregos. Dos lados da mataria densa, com cheiro de terra molhada, a natureza espocava em flores e sons, numa alegria depois de chuva rara. Chegamos ao Sapé, afinal, na madrugada do dia 20 de janeiro, ano de guerra de 1942, depois de quase meia semana de pelejas. Foi um sono só para todos nos catres sem conforto da casa já alugada, por carta, à D. Antônia, mãe de Elpídio da Rocha.
Instalada com a consciência de quem veio para ficar, Neném era, a meu ver, a mais jovem e mais bonita dona de pensão de todo o sertão brasileiro, competente, decidida, a gerir uma casa grande, bem assoalhada e de paredes brancas, logo mais uma hospedaria para doutores da estrada-de-ferro em construção, entre eles os engenheiros Demóstenes RoCkert, Novais, Laviola, e os médicos Eduardo Morgado e Darce, todos gente de maior simpatia. Para cumprir as exigências dela e salvar as aparências eu Enéas Mineiro de Souza, Capitão da Polícia de Pernambuco, era apenas um hóspede a mais, empreiteiro de muitos serviços, desmatador chefe. Nada além disso, pelo menos durante o dia e até a hora em que todos iam dormir... Com as duas empregadas que Neném trouxera de Montes Claros, tudo espelhava limpeza e arrumação, já com luz elétrica e água encanada, providenciadas por mim, para o seu maior conforto.
No mesmo dia 20 de janeiro de 1942, voltando pela velha estrada, Antônio Miguel e eu, no meio da esplanada de nunca acabar, capaz de abrigar dois milhões de habitantes se tanto fosse preciso, escolhemos um pé de tingui bem copado para localização da primeira barraca do acampamento. Nossa idéia era colocarmos aquela mataria toda no chão e encima das bancas das serras, começando logo uma frente de serviço, tão comum em nossas vidas... Era como se ali estivesse começando a história do mundo. E ainda bem, porque, um quilômetro abaixo, em casa, eu tinha uma mulher que valia por todas as minas de ouro da terra, e, na coragem dos meus companheiros e na minha vontade de vencer, apareciam os primeiros toques para a existência da fazenda Burarama, de cujas avenidas e praças eu daria mais tarde a formação da futura cidade que, depois de minha morte, receberia o nome de Capitão Enéas.
Haveria momento mais feliz?

 


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