Quem
começou o assunto foi o colega
Haroldo Lívio, creio há
uns dois anos falando de crediário,
como se as palavras também
fossem objeto de negócio à
prestação. Até
que de compra e venda não podem
deixar de ser, pois, hoje nada se
faz de graça, sem algum interesse,
comercial, de profissão ou
simplesmente por necessidade social
ou ideológica. O pagamento
pode não ser em dinheiro vivo,
através de crédito em
conta, mas indireto pelo próprio
caráter gratificante para quem
ouve, fala ou escreve alguma coisa
traduzida em ensino ou transmissão
intelectual. Quem aprende ou procura
aprender alguma terminologia nova,
palavras, sintagmas, lexias ou despretenciosos
clichês do dia-a-dia, estará,
por certo, contribuindo com algum
valor: o custo do jornal, da revista
ou do livro, ou o tempo de escuta,
a hora de atenção que,
aos nossos dias, possui um valor inestimável.
O Haroldo dizia, entusiasmado, que,
não podendo o povo, o povão,
abeberar de uma só vez acumuladamente,
muito saber, vai aos poucos, adquirindo-o
mesmo à prestação,
estas quase sempre bastante suaves,
pois em longos haustos de tempo. Hoje
uma palavra nova, amanhã outra,
tornando-se membro ativo do imenso
quadro de contribuintes da aldeia
global de que doutos ou ignorantes,
todos nós fazemos parte. Para
ele, o vocabulário torna-se
cada vez mais democrático,
com os termos eruditos, até
há pouco tempo privilégio
de ouças camadas chegando à
panela do pobre em moeda ou instrução,
principalmente entre os mais jovens,
já detentores da arte da mímica
ou da gíria. O vertiginoso
crescimento dos meios de comunicação
nos últimos trinta anos, enriqueceu
o vocabulário, incentivou a
criatividade, descobriu e redescobriu
novos parâmetros generativos
do pensamento. Hoje existem, por mais
incrível que pareça,
palavras-ônibus, verdadeiros
coringas semânticos, que cobrem
vastas áreas de significação
dependendo do contexto ou da situação,
como “jóia”, “bicho”,
“trem”, “coisa”,
“brasa”, “fogo”,
sem falar de elementos especializados
de alguns campos profissionais.
Mas não é bem isso o
que o Haroldo queria comentar. A sua
intenção era falar do
vocabulário dito precioso,
difícil de comprovada erudição,
inquilino dos bons dicionários,
fora do périplo da alta cultura.
A sua admiração era
a de que palavras alatinadas ou de
legítima cepa helênica,
estavam chegando aos botecos, aos
salões de barbeiro, às
feiras dos sábados, às
esquinas. Haveria um desvio inconsciente,
uma distorção ou uma
viagem evolutiva a caminho da inteligência
de todos? Para ele, o latim “status”,
cujo uso era reservado aos manuais
de Sociologia, ouvido apenas entre
paredes universitárias, agora,
descontraidamente, por absurdo ou
não, estava de boca em boca,
até em cervejadas de fim de
semana, embora distorcido de sua significação
inicial e clássica. Outros
termos como opção, gabarito,
folclore, acoplamento, cassação,
sofisticação, poluente
– longa lista – foram
ensinados pelos “mass media”,
o rolo compressor dos tempos modernos,
senhores e escravos da nossa vida
atual.
Como parece termos um contrato, embora
não assinado, da troca de pontos
de vista, o Haroldo deixou para mim
o comentário final, em seu
artigo, imputando-me o “crime”
de ter chocado um auditório
e aumentado a expansão vocabular
com o emprego da palavra “idiossincrasia”,
normalmente encontrável apenas
em problemas de palavras-cruzadas,
própria para dicionários
de charadas. Espantando-se, fez uma
profecia de que o “meu”
vocábulo dentro de algum tempo
estaria nas discussões do Café
do Zinho, pernóstico e empolado
em muitas conversas. O pouco tempo
decorrido creio, não lhe pôde
ainda dar razão.
Não sei Haroldo, não
sei... para isso o lexema tem de entrar
no gosto, tem de ter carisma...