Quantas
paixões cada um de nós
anda a carregar pela vida? Quantas
manias, quantos trejeitos? E quantas
virtudes também? Quantas formas
de resolver os problemas? Acho que
todo mundo tem e terá seus
motivos de satisfação
íntima ou de alguma tristeza
clara ou oculta, um motivo de vaidade
ou uma deficiência, mesmo que
seja pequena. De poeta, de médico
e de louco, todos nós temos
um pouco... Isso é verdade,
e quem há que possa duvidar?
A experiência prova-nos à
toa hora que o mundo é mesmo
assim, aqui ou em qualquer parte.
Estou dizendo tudo isso, porque hoje,
pela manhã, o meu colega Afonso
Celso Bispo, filósofo muito
observador da vida e das pessoas,
lembrou-me de que um dia eu o desafiara
para que me fizesse perguntas ou apresentasse
palavras para eu lhe dizer o significado.
É claro que, no dia, ele achou
meu gesto uma temeridade, uma fraqueza
exposta em nome de ingênua doidura,
talvez até mesmo uma desfaçatez
ou falta de equilíbrio emocional.
É claro que não me transmitiu
esta impressão, porque a maior
virtude do filósofo é
a discrição e o silêncio.
Eu é que li isto no seu jeitão
de reparar as coisas... Hoje, então,
ele me disse que teve vontade ou mesmo
chegou a fazer uma lista de assunto
bem difícil para verificar
se eu estava falando com sinceridade
ou estava simplesmente blefando...
Aceitando ou não o desafio,
a verdade é que o Bispo sempre
me pergunta o significado de uma ou
outra palavra, principalmente quando
tem necessidade e não quer
recorrer ao dicionário. Afinal,
é mais fácil perguntar
do que ler ou ficar passando o dedo
em listas por ordem alfabética
de volumosos glossários. E
gozado é que, por sorte, não
tenho perdido nenhuma parada para
ele. É só perguntar
e lá vai resposta. Firme, decisiva,
sem chute. Nem adianta fazer olhos
de ironia ou de brincadeira...
Porque palavras, significados, etimologias,
evoluções semânticas,
arcaísmos e neologismos, tudo
faz parte de uma velha mania desde
os tempos de ginásio, quando
contemporâneo de Haroldo Lívio
na Biblioteca Pública.
Realmente, leitor, é bom e
muito gratificante, gostoso mesmo
dar uma resposta certa, de pronto
servir a necessidade ou a curiosidade
de uma pessoa amiga. Palavras guardadas
na memória não ocupam
lugar visível. Devem encontrar
um lugarzinho lá pelas gavetas
da mente, uma sobre as outras ou bem
arrumadinhas, assim por ordem de assuntos
ou pela simples sonoridade, preparadas
para o desarquivamento quando a gente
menos espera. De vez em quando, uma
some, nós coçamos a
cabeça, franzimos a testa,
apertamos os sombrolhos, buscamo-la
longe na lembrança e nada de
a danadinha aparecer. Não adianta
preocupar, porque esquecida por um
momento, logo depois salta como por
encanto para alegrar-nos o ego. Neste
ponto, a palavra que mais me tem perseguido
é maniqueísmo, que até
já aprendi buscá-la
no início da segunda metade
do alfabeto, embora a não associe
com mais nada no mundo, não
a levando nem para o bem nem para
o mal...
E você, leitor, qual será
mesmo sua mania? E como vai sua capacidade
de saber errar sem se sentir magoado?