Há
poucos dias, na sessão inaugural
das comemorações dos
vinte anos da Fafil, a professora
Miriam Carvalho, apresentando a Revista
“Vínculo”, pronunciou,
em rápido discurso literário,
quatro vezes a palavra escritura.
É quase impossível ouvir
um discurso do médico e acadêmico
João Valle Maurício,
um dos notáveis oradores de
Montes Claros, sem ouvir os vocábulos
acalanto, madrugada, sereno e sertão,
todos de linha poética. Dificilmente
leremos um rodapé dos companheiros
J.&J., da segunda página
e vem debaixo da coluna do Lazinho,
sem que lá esteja o termo sinistro
como epíteto de um famoso neto
do avô Antônio Delfim.
O nosso prefeito Luiz Tadeu, de gostosa
linhagem nos velhos tempos de radialista
de Boca do Trombone, até hoje
não perdeu o cacoete de modos
de dizer como “é uma
barra”, “mão-de-calango”
e até “dar milho a bode”,
interessantíssimo pra um programa
radiofônico ao gosto do povo,
mas, fora do sério e protocolar
contexto da fala de um primeiro mandatário
tão respeitável como
deve ser ele na Prefeitura de Montes
Claros.
E daí? Você pode perguntar,
leitor, interrogando se isso constitui
algum problema, se é mérito
ou demérito de tanta gente
intelectual e de cujos patrimônios
culturais ninguém tem qualquer
dúvida, até muito pelo
contrário! Por que teria Míriam
Carvalho tanta preferência pelo
vocábulo escritura? Estudante
e mestra da Semiologia, da lingüística
e da Teoria Literária, ela
tem nessa palavra livre curso pra
acentuar teses e debates, textos e
intertextos, quase como quem usa o
coringa num jogo de baralho. Consciente
ou mesmo inconsciente, ela usa e abusa
do seu conteúdo semântico
e da sua sonoridade, buscando mais
substância de significado e
de plasticidade teórica. Mauricio,
por outro lado, é um apaixonado
por tudo que é sertão
e por qualquer coisa que cheire a
sereno e a seresta. Nada indica que
existam vocábulos mais bonitos
para ele, e mais gratos ao seu coração,
de que os quatro tão amiudamente
expressados na prosa e na poesia.
Os J & J, sociedade literária
de que fiz parte há muitos
anos, de modo diferente e por outras
razões, são primos carnais
da irreverência, sempre afeitos
a um bom trocadinho seja social, seja
político. Daí, nada
melhor do que efetuar uma pequena
permuta fonética ou fonológica,
temperando com malícia uma
indicação que todos
os leitores também gostariam
de fazer. Os próprios Jotas
sempre se dirigem ao leitor com um
vocativo feminino – “a
senhora” -, deixando ver, de
modo polido, preferência às
leitoras, muito embora devamos acreditar
que nenhum leitor masculino deixe
de ler com interesse, seus escritos.
Quem não gosta de mexericos
tão construtivos e tão
bem selecionados e atuais?
E nosso prefeito? Jovem, entusiasmado,
de incontentável apetite político,
deve deixar prevalecer o lado mais
popular da sua cultura e do interesse
imediato, falando linguagem, mas ao
sabor de seus eleitores da mesma faixa
de idade. Não adianta ninguém
se incomodar com esse tipo de fala
descontraída e de índole
radiofônica, porque só
o tempo vai cuidar de muda-la. Isso
só irá acontecer quando
Tadeu se afastar mais da antiga profissão
e seus trinta e um anos tão
decantados estiverem mais distantes
no calendário da vida. Por
outro lado, as dificuldades do político
e do administrador, com todos os apertos
estruturais e conjunturais, contribuirão
para o repensamento vocabular, saindo,
quando lhe for conveniente, do chamego
com as palavras de impacto e ao sabor
da gente moça.
Nem é preciso que os perdoemos,
leitores. Também nós
temos nossas manias e preferências.
Somos como velhas jardineiras do sertão
que corriam as estradas sempre com
o mais exótico dos carregamentos:
coisas, gentes e bichos...