Não
acredito que possa existir maior visão
de beleza física e monumental
do que a oferecida pelo carnaval do
Rio de Janeiro. Nada, nenhum conjunto
físico de cores e movimentos
poderá ser comparado ao desenvolvimento
no sambódromo da Marquês
de Sapucaí durante duas noites
ininterruptas de desfiles das escolas,
místicas de ritmo e de garra
só possível a quem realmente
ofereça o corpo e a alma por
momentos de pura emoção
e deslumbramento. É uma dimensão
de conjunto, três, quatro, cinco
mil almas numa só, que só
pode ser vista com o espírito
carioca, uma entrega total, um ano
de preparo para ser mostrado em oitenta
minutos, pouco mais de uma hora que
representa uma vida ou muitas vidas.
Tudo vale a pena se a alma não
é pequena, dizia Fernando Pessoa.
No carnaval do Rio tudo vale a pena,
qualquer que seja o tamanho da alma,
qualquer que seja a disposição
intima, pois a beleza não nos
deixa nenhuma noção
de tempo ou de espaço, só
o encantamento. “As horas passam
de leve, o sonho vive tão breve,
que até parece ilusão.”
Tão bonito que nem parece verdade,
ou melhor, tudo tão grandioso,
que o mito invade o real, o sonho
se materializa diante de cada expectador
insone, porque não é
possível nem o cansaço,
mesmo quando a luz. Fascinação,
magia, esplendor, maravilha, sedução,
vertigem, não há palavras
para uma qualificação
melhor.
No
total, haverá momentos particulares,
às vezes um ângulo mais
humano, uma grandeza pessoal que marcará
mais profundamente nosso coração.
Na segunda-feira, segundo dias do
desfile, houve assim um instante de
viva emoção. Diante
da tribuna da comissão de julgamento
onde estava Sócrates , um negrinho
samba e canta, de olhos vidrados no
“Doutor”. Todo mímica
e apreensão parece, colocava
nos movimentos e jogo facial um pedido
que deveria ser o mais importante
de sua vida. Cada gesto dizia ao futuro
atacante na seleção
brasileira no México o que
o Brasil inteiro esperava dele, uma
vitória que salvou a nossa
honra e nos mergulhe numa alegria
que há tanto tempo não
vemos no futebol. O negrinho não
só dançava, não
só gesticulava, não
só brilhava os olhos. Vivia
a alma brasileira. E tanto fez, que
o Doutor não agüentou.
Emocionado, vibrante deixou a tribuna,
desceu os degraus saltou a cerca divisória
e ganhou a passarela, pulando no mesmo
ritmo do jovem admirador, numa convivência
cívica que só o brasileiro
sabe fazer: Como não podia
deixar de ser, o povo delirou em aplausos,
e é levada a alma da pátria.
Quanta
emoção também
quando passou como destaque a Viúva
Porcina, quando a Matilde cumprimentou
a assistência, quando Rogéria
e Chacrinha aparece nos intervalos,
quando Dorival Caimi, já de
cabelos branquinhos, representa a
Bahia, quase provocando saudades.
Lá pelas tantas, num intervalo
um dos lixeiros da Prefeitura larga
a vassoura e se joga todo no movimento
da musica, uniforme azul que se transforma
em fantasia, e o povo aplaude delirantemente.
Pequeno, gorducho, alegre, dignamente
confiante, desfila na frente da Beija-Flor,
o famoso Joãozinho Trinta,
técnico, programador, anjo
da guarda da escola, pai e irmão
de todos. Luiza Brunet, Monique Evans,
mulheres lindas, brancas e pretas,
mulatas, morenas, louras espetaculares,
jovens, maduras, velhas baianas, garotas
de poucos anos de vida, quanto ritmo
e brilho nas fantasias!