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Convenção internacional
Elista – 1981 - Belo Horizonte
– MG – Brasil
De 17 a 20 de Setembro
Wanderlino
Arruda
Elevada contemplação
espiritual por parte das criaturas,
a arte é a exteriorização
do ideal, uma divina manifestação
do que há de mais velo na alma
humana, polarização
mais importante de vida. De todas
as riquezas da civilização,
a maior é a realização
artística, seja ela primitiva,
incipiente, ou nos mais elevados estágios
da perfeição, produto
de maturidade individual ou coletiva.
O artista verdadeiro é sempre
o intermediário das belezas
eternas, e seu trabalho, em todas
os tempos, foi o portador das harmonas
mais vibráteis do sentimento,
alçando-as ao infinito, abrindo
caminhos para a sabedoria, para a
paz e para o amor. Missionário
da busca estética, do belo,
do harmonioso, o artista é
o traço de ligação
entre o cognitivo e o racional, para
o sentimento e emoção,
engrandecendo a trajetória
do homem na terra.
O
homem não teria chegado ao
estagio evolutivo em que se encontra
não fosse o anseio de busca
da perfeição artística,
não fossem as tentativas de
materializar o sentimento através
da arte. Mesmo quando procura realizar
o pragmático, o utilitário,
não se pode deixar de todo
o elemento estético, o agrado
ao ideal de beleza de cada um, seja
para o autor, seja para o usuário,
seja para um possível espectador.
A beleza é necessária,
importante. É o complemento
que satisfaz, que dá a sensação
de prazer, o resultante emocional
de floração da alegria
do viver. O que o homem moderno chama
de bom acabamento nada mais é
do que o toque artístico, a
experiência artesanal espontânea
ou convencional para preencher o vazio
de satisfação que a
técnica só não
pode ocupar.
O
artista, de modo geral, vive mais
no plano do ideal, quase sempre numa
esfera de interesse distante do homem
comum. Seu psiquismo é sempre
resultante do mundo intimo, numa espécie
de recordação atávica,
como que portador de visões
que procura materializar, trazendo
o sublime para o plano das sensações
humanas. Às vezes, longe do
convencionalismo, mantém-se
numa indisciplina acima dos preconceitos
de sua época, salientando-se
numa indisciplina, afastando-se dos
conceitos do dia-a-dia, rasgando véus
só detectáveis para
faixas sensoriais mais vibráteis.
Quando o artista observa um comportamento
normal, sem afastar-se e demasiadamente
dos padrões estabelecidos,
quando ele consegue viver e conviver
no seu meio social, de modo útil
e proveitoso encontra, aí,
o ponto desejável da perfeição
humana. Acompanha o progresso, sintetiza
o pensamento da sua época,
concentra o desejo subconsciente de
todos, dá vida e corporificação
à alma coletiva.
O
artista é, pois, um diplomata
da beleza e do sentimento. É
ele o instrumento que escreve, que
grava, que harmoniza o ideal de sua
geração, e dá
força infinita às consciências.
È por isso que no mundo nenhum
povo pode viver sem seus artistas.
A arte é o equilíbrio,
é a ponte maravilhosa a que
liga a criatura ao criador, no meio
do caminho que contrasta a passagem
da Terra com o céu.
Tudo
isso, digo eu, neste momento, para
expressar os meus sentimentos pessoais
e os de minha família, com
relação à minha
investidura na ACADEMIA MUNICIPALISTA
DE LETRAS DE MINAS GERAIS, casa de
tão alto apreço nas
letras mineiras, onde pontificam luzes
tão nobres e enobrecedoras
da literatura brasileira. Escolhido,
por nímia gentileza, por bondade
natural desses artistas que têm
como patrono o mais adorável
de todos dos santos – São
Francisco de Assis – fico com
modesto remador de diminuto barco,
ao lado de experientes capitães
de grandes naus, acostumados ao brilho
quente dos sóis e aos silvos
tormentosos das parcelas. Eleito para
estar ao lado dos que já se
firmaram, de muito, no conceito cultural
da nossa pátria, sinto-me a
pisca-piscar, apagadamente, onde a
iluminação das inteligências
é intensa e ofuscante.
Mas a benção da amizade
que suporta e ajuda, que ampara e
incentiva, que justifica e conduz,
é recurso que sobra invariavelmente
no cofre vivo e milagroso da boa vontade.
Ninguém é tão
intensamente pobre de sentidos, que
não possa ver, ouvir e aprender,
perceber a mensagem da experiência
e da cultura. Apresento-me, pois,
nesta hora, - e bom que seja em Montes
Claros, terra bendita e dadivosa,
pedaço de chão honrado,
centro de amor à arte, coração
sertanejo que embala muito bem o meu
coração – apresento-me
em momento de amor intelectual, não
como o intrometido intruso, não
como o inconseqüente iconoclasta
de santos valores, mas, na qualidade,
malgrado o pequeno mérito que
possuo, do construtor curtido e recurtido
pelas lutas do labor quotidiano, sempre,
pela teimosia, vinculando aos meios
da cultura e ajudar a construir, desfraldando
o condão do entusiasmo e da
confiança no futuro.
Ousar pedir, jamais eu ousaria; cometer
o atrevimento de sugerir, eu jamais
cometeria. Julgado e aceito, não
tenho o direito de discutir os métodos
de julgamento. Uma assembléia
de tantos valores intelectuais e morais
deve e precisa conhecer, de sobejo,
as potencialidades e as virtualidades
de cada nome proposto, não
têm, de normal, condições
de errar. Permiti-me, pois, corresponder
ou tentar corresponder à vossa
confiança. Deixe-me mergulhar
de alma e coração no
trabalho fecundo de vossa laboriosa
instituição. Afinal,
quando não se adere à
realidade, esforça-se, dá-se
um passo em direção
à esperança. E é
no mundo de esperança, no multicolorido
arco-íris dos sonhos, na fantástica
busca do ouro da beleza das artes,
que todos nós, cosmoviajantes
do espírito, estendemos as
mãos para a verdadeira felicidade.
Escolhi como patrono na ACADEMIA MUNICIPALISTA
DE LETRAS DE MINAS GERAIS um notável
homem das letras da nossa região
e do nosso Estado: um curvelano-montes-clarense,
um regionalista, um sério pesquisador
de costumes, um literato de muito
fôlego, um sentimental homem
do sertão sempre vestido com
roupagens de sério trato –
NELSON WASHINGTON VIANNA. Escolhi
Nilson Vianna de Góes, nosso
Presidente, um constante presidente
da intelectualidade das letras mineiras.
Eleito e escolhido, Nelson Vianna,
desejo marcar de modo definitivo,
a minha admiração pela
obra diretamente ligada às
gentes do sertão norte-mineiro,
ao caboclo, ao agricultor, ao vaqueiro,
ao freqüentador de feiras, ao
fazendeiro, aos contador de “causos”,
aos tocadores de viola, ao solitário
das madrugadas e das bocas de noites,
aos que, sempre cansados, sentavam-se
ou se sentam nos calcanhares para
falar e ouvir com a maior sabedoria
do mundo. Nelson Vianna, contando
a esperteza do interiorano de Minas,
homo-rústicus ou homo-urbanus,
mas sempre alma aberta à observação,
criou tipos, caracteres, personalidades
de rara beleza para a nossa literatura,
despertando um sentido novo do “humor”,
uma finura de inteligência,
de perspicácia, de savoir-vivre
e savoir-faire, difíceis de
se encontrar em outra literatura.
Perscrutador impenitente, incansável
olheiro da franqueza humana, quase
libidinoso na idiossincrasia, Nelson
Vianna foi imaculadamente o grande
repórter de uma vasta reportagem
do homem sertanejo desse lado de cá
do mundo, que vai ou que vem de Curvelo
até os de Montes Claros, acompanhando
vertentes e serrarias, capões
de mato e serrados, veredas e gerais,
tão gratos aos nossos corações.
È
claro que não conheço
Nelson Vianna tão bem com o
conhece o meu companheiro de crônica
Haroldo Lívio de Oliveira,
como o conhecem os meus confrades
Olyntho da Silveira e Cândido
Canela, como o reconhece o Presidente
Vianna de Góes, como o descreve
Manoel Higino dos Santos. Lembro-me
de ter conversado com ele apenas uma
vez, no vestibular da casa do saudoso
Osmani Barbosa. Estava eu naquela
ocasião interessado em fazer
uma pesquisa sobre a literatura do
Grande Sertão, exatamente no
pedaço de terra que fica entre
Curvelo, a Serra das Araras e Carinhanha.
Precisava de dados comparativos de
dois estilos que dissessem diretamente
sobre o elemento humano, fruto telúrico
da paisagem sofrida, ponto de ligação
entre a natureza e a vida do passado
e do presente. Propus, então,
a Nelson Vianna uma entrevista, do
homem e do literato, para que eu pudesse,
depois, compara-lo com Guimarães
Rosa, o outro lado do trato com o
comportamento sertanejo. Nelson Vianna
espantou-se, olhou-me de frente, franziu
como que todo o semblante, parece
até que tremeu – e considerou
a minha atitude uma audácia:
compara-lo a Guimarães Rosa
não tinha propósito,
não havia paralelos, Guimarães,
o grande escritor, ele um João-ningúem.
Não, não era possível,
para aquilo não me daria entrevista
nenhuma. Insisti, mostrei que a diferença
de estilos não desmanchava
a beleza nem a precisão descritivas
da relação humana e
humanística do tema que, embora
divergente, era um só. Foi
irredutível, iria pensar, poderia
ser ou não poderia ser... Foi
a última vez que o encontrei
em Montes Claros, mudou-se logo em
seguida, para Belo Horizonte. Quando
o vi, de novo, foi andando lá
pelo quarteirão das ruas Tupis
e Rio de Janeiro, mas aparentemente
distraído e, senhor ou não
da vida, nunca me reconheceu.
Formado em engenharia na velha faculdade
da velha Ouro Preto, Nelson Vianna
veio muito jovem para Montes Claros,
rincão mais inóspito
do que os da sua terra Natal, Curvelo.
Homem fechado, caladão, excêntrico,
voluntarioso, sistemático,
de ar superior para o comum das pessoas,
era afável, amigo, companheiro
para uns poucos que tinham a felicidade
de privar-se da sua consideração.
E esses poucos eram realmente muito
poucos, embora diferenciados na cultura
e na riqueza: Mário Veloso,
Cândido Canela, Neném
e Osmani Barbosa, Jair de Oliveira,
Ducho, Hermes Paula, José Mário
de Araújo e mais alguns. Conheci-o
na velha barbearia de Antônio
Guedes, a mais granfina da rua Simeão
Ribeiro, aonde ia bem cedo, lá
pelas sete horas, chegando e saindo
calado, fechadão e respeitoso.
Depois, estaria, enquanto caminhava,
sempre só. Homem de poucas
palavras, para aqueles que não
conhecia mais de perto, abria-se apenas
para os companheiros e amigos, o que
está devidamente testemunhado
pelas estórias contadas alegremente
a seu respeito. Haroldo Lívio
e Manoel Higino publicaram algumas
interessantíssimas.
O D. Casmurro norte-mineiro não
era só um excêntrico.
Nelson Vianna foi um sentimental,
um homem que amou as coisas simples
de nossa terra, que soube valoriza-las,
compreende-las e admirá-las.
Foi, acima de tudo, um mineiro autêntico,
apaixonado por estas terras sertanejas
que conheceu a pé e no lombo
de burros, para realizar seus misteres
em rincões remotos da pátria.
Seus livros estão enriquecidos
por esta vivência com o chão
árido, com o solo molhado,
com a simplicidade de nosso matuto,
com a vivacidade que não está
apartada daquela, com acontecimentos
que marcam o desenvolvimento de uma
região de alta e grande destinação
histórica, que agora se vai
tornando realidade, cuja vocação
ao progresso se vai cristalizando,
de modo tácito e irretorquível.
Nelson Vianna é desses homens
que se vão rareando entre nós
e neste nosso tempo. Com alguns livros
publicados: “Serões Montesclarenses”,
Foiceiros e vaqueiros, Chico Doido,
Efemérides Montesclarenses,
deixou um rico patrimônio para
as gerações que estão
vindo e estão por vir, como
um grande mineiro, e sobretudo, um
grande sertanejo. Não foi um
simples escritor, simplesmente um
poeta, ou só isso. Colecionador
de obras de bons pintores, fazendeiro,
engenheiro, topógrafo, pecuarista,
historiador, humorista, viajante,
desenhista, crítico, homem
de admirável sensibilidade.
Se viveu para poucos, escreveu para
muitos e a sua escrita o faz um homem
de grande comunicação
e que ainda merecerá muito
estudo e historiadores e teóricos
da arte literária.
Nelson Vianna é nome para nunca
se esquecer. Se o sertão acabar,
a sua prosa agradável e sensível,
seu suave sarcasmo, o fino humor de
suas frases, todo um trabalho delirante
humano servirá de documentação
preciosa e segura. As estórias
de seu comportamento, um fabulário
enorme que marca as suas atitudes,
não deixarão as pegadas
de mais de meio século de vida
e de letras montes-clarenses no caminho
do olvido. Serão um pedestal
e ao mesmo tempo uma bandeira para
quantos, amantes das atividades literárias,
continuarão a caminhada.
Nesta manhã, em que pontificam
tantos valores intelectuais entre
todos, com destaque, o Prof. Aires
da Mata Machado Filho, autoridade
da filologia, da lingüística,
da gramática, da literatura,
do folclore, do jornalismo, de quase
tudo do mundo do saber, nome nacional
e internacional, nesta noite em que
estão presentes tão
nobre valores das letras mineiras,
com participação grandiosa
do valoroso Alfredo Marques Vianna
de Góes, estimado presidente
da nossa Academia, nesta noite, desejo
selar com o selo da seriedade, o momento
importante da minha vida. Embora sabendo
perfeitamente que não o mereço,
não posso trata-lo senão
com o maior respeito. Se não
tem como alicerce o mérito
do empossado, tem como viga mestra
a competência dos que escolheram
e convidam para o novo convívio.
O calor da proteção,
que mesmo não sendo justa,
é envolvente, confortável.
A beleza das inteligências,
o culto à sabedoria, o gesto
fraterno do aperfeiçoamento,
tudo isso me encanta. E de tudo que
a vida nos proporciona, ou o acaso
coloca em nosso caminho, o que é
mais gratificante é a terna
amizade e o carinhoso incentivo que
recebemos da grandeza dos corações,
do esplendor das almas generosas.
A você, Maria Ribeiro Pires,
minha ex-aluna, minha colega, minha
amiga, minha confreira, minha inteligente
companheira de estudos e de lutas,
minha incentivadora; a você,
Maria, estandarte da cultura mineira,
expoente máximo de brilho intelectual
da nossa terra; a você, Maria,
misto de sonho e realidade do amor
às letras, à pesquisa,
à metodologia, à ecologia,
muito obrigado, sou um eterno devedor
de quanto carinho e amizade Você
me dedica.
Muito agradecido estou ao vosso ato
de aqui me receberdes. Muito obrigado
a todos que aqui estão, aos
que me são ligados pelos laços
do sangue e aos que me são
ligados pelos laços do sentimento
de amizade, aos que me são
ligados pelo companheirismo e pela
fraternidade, pelo trabalho, a todos
que acreditam na beleza da vida e
no ato de viver, aos que sabem chorar,
aos que sabem sorrir, aos que lutam,
e aos que sofrem, aos que sonham e
fantasiam, pois como disse o salmista:
“bom e agradável é
viverem unidos os irmãos...!”
É como óleo precioso
sobre a cabeça: é como
o orvalho do Hermon que desce sobre
os montes de Sião. Porque ali
ordena o Senhor a sua bênção
e a vida para sempre.