Montes
claros em tempo de arte
Wanderlino
Arruda
A fundação estética
– segundo o nosso conterrâneo
Cyro dos Anjos – surge como
uma das atividades primordiais do
homem, e, provocada por forças
desconhecidas que nos movem, ela se
exerce, em grau diverso, levando alguns
mais dotados a encaminhar-se para
a criação. Em qualquer
tempo e em qualquer parte, o desejo
de procurar ou despertar a sensação
artística, é depois
da fome e do amor, o instinto que
mais se afirma na espécie humana.
Sempre presente, sempre atuante, ele
é uma espécie de fascinação
do inapreensível, da vontade
de arrancar as formas do mundo, a
que o homem está sujeito, para
as transportar ao mesmo mundo que
o homem governa ou com que sonha.
Cada obra de arte construída
é a recuperação
da totalidade do ser, é o encontro
do sentimento eterno de grandeza imerso
em nosso mundo pessoal. Há
em nós o constante desejo de
cooperar com a vida. Enquanto uns
cuidam de viver, é bom que
outros, como pensou Bergson, cuidem
de sonhar ou de filosofar: estes que
são os artistas, pessoas de
função fabulosa, distinta
da imaginação.
É com esse cuidar de viver,
com essa busca de sentir, que tento
focalizar um momento da vida de Montes
Claros, uma cidade instintivamente
criadora, desde os velhos tempos da
iluminação a querosene,
das ruas de cima e das ruas de baixo,
quando a lua era mais bonita, porque
admirada, e dava uma suave toque de
perfeito colorido nas noites de serenata,
de jogos de prendas e de cirandas.
Antigos viajantes já ficavam
entusiasmados com a habilidade do
viver montes-clarense, entremeado
de trabalho e de alegria, através
de manifestações do
sentimento das emoções
de uma espontânea busca do sublime
e do espiritual, seja nos saraus familiares,
seja na rua ou antigos balcões
de lojas e armazéns. A poesia,
a crônica para o pequeno jornal,
a declaração e a oratória,
as modinhas dos salões, tudo
constituída boa semente para
a eclosão futura de muitos
caminhos no campo das artes.
Terra de muito trabalho, de iniciativas,
marcada pela independência e
pela ousadia, Montes Claros é
também a cidade dos sonhos,
centro de um desejo insaciável
de reencontro do real e do irreal,
uma eterna enamorada da fantasia,
faceira, apaixonada, humilde, nostálgica
e, sobretudo, consciente na solidariedade
que nunca deixa faltar. O aboio dos
vaqueiros, o cantarolar dos viajantes
de tropas, o batuque das festas de
reis – tudo já era prenúncio
de uma amálgama de manifestações
folclóricas, hoje ricas e enriquecedoras
e de que tanto nos envaidecemos diante
dos aplausos das gentes cultas que
nos visitam ou que têm visto
nossos artistas quando em excursões.
De alguns anos para cá, grupos
de serestas, conjuntos como o Banzé,
bandas, toda uma extensa gama de atividades
artísticas são atestados
emocionantes da nossa participação
no verdadeiro valor da vida brasileira,
uma fazer e despertar de sentimentos
regionais e nacionais da mais alta
expressão. O que era apenas
familiar ou de grupos sociais, ganhou
ares de organização
definitiva o cenário artístico,
despertando vocações,
cooperando com as inteligências
e libertando o amor à beleza
da vida.
Montes Claros transformou-se numa
amante das artes e, hoje, inúmeras
escolas, como um sincero cadinho de
técnicas, sensibilidade e intuição,
no espaço e no tempo, buscam
nobres aspirações de
grandeza estética, floração
de esplendores e de sublimação...