O
inesquecível João Chaves
Wanderlino
Arruda
Não acredito que alguém
tenha conhecido João Chaves
para mais cedo ou mais tarde vir a
esquece-lo. João Chaves não
era um homem comum, desses que passam
despercebidos num dia de feira no
mercado, numa passagem pela rua, ou
mesmo no longo espaço da vida.
Não nasceu ou viveu para permanecer
oculto ou não observado hora
nenhuma.
Não
tinha vocação de anonimato
nem o sensabor das existências
simples. Mesmo não querendo
impor-se, parecer, muitas vezes até
com certa dose de timidez, não
tinha como deixar de ser o centro
das atenções em qualquer
lugar onde estivesse. Tinha figura,
tinha voz, tinha um quê de dureza
e de poesia mescladas por um temperamento
quase irônico e sagaz. Era uma
pessoa constante e sempre presente.
Conheci-o,
ele já na casa dos sessenta,
sentado próximo ao balcão
da farmácia de Mário
Veloso, numa roda de amigos, ali mesmo
na esquina das ruas Padre Augusto
e Camilo Prates, onde o bate-papo
ia do político e do literário
até o familiar. Não
eram, como se podia ver, reuniões
tão simples em que um ou outro
freguês afoito ou intrometido
pudesse entrar, procurar um dedo de
prosa ou dar uma informação...
Era um verdadeiro encontro de barões,
gente bem posta na vida, intelectuais,
comerciantes de prestígio,
profissionais liberais, fazendeiros
de muitas leituras, e gente nova ninguém.
Mulheres, só de “boas
tardes” e “bons dias”,
“recomendações
à família”, quando
muito... Círculo fechado, só
de notícias importantes, assuntos
graves, idéias reverenciadas
com o domínio do perfeito saber...
Vi
João Chaves muita vezes quando
ele, mais popular, sentava-se com
outros amigos nos bancos da praça
Doutor Carlos, em frente à
Farmácia Americana ou da loja
de Cica Peres, bem embaixo dos “flamboyants”.
Era quando a prosa, os sorrisos ou
mesmo os gracejos sobre assuntos do
cotidiano nunca impediam que olhares
discretos pousassem nas belezas virgens
de muitas estudantes que por ali passavam,
indo ou vindo dos colégios,
ou subindo para o Instituto. De quebra,
ainda havia o eterno feminino de belas
senhoras das compras na Imperial,
na Casa Alves, nas Pernambucanas,
para quem olhares furtivos, de soslaio
admiração, jamais poderiam
faltar. Eram horas de alegrias na
vida de João Chaves.
Mas,
de todas as lembranças que
tenho de João Chaves, a mais
marcante é a do homem estudioso
do Direito, do devorador dos códigos,
do jurista brilhante, terror dos adversários
forenses. Encontrei-o várias
vezes rodeado de livros, grossos volumes
encadernados e velhos pelo manuseio,
arrumados, atirados de lado, abertos
nas mesas, nas cadeiras e até
nos pés da cama ou do lado
do travesseiro. Sua biblioteca era
a casa inteira da sala de visitas
ao quarto de dormir. Colega de Lola,
na Faculdade, nem sempre com cara
de amigo, mas com discreta atenção,
homem educado que era. Deve ter morrido
num momento de atenciosa leitura,
mesmo que não tivesse um livro
diante das vistas. Foi sempre um intelectual
consciente. Um momento gratificante
na vida de Montes Claros. Um tipo
inesquecível.