O
bar Guarani de Vadinho
Wanderlino
Arruda
Elton Jackson ao me fazer um pedido
para escrever sobre a Rua Doutor Santos,
deixou-me na liberdade de voltar ao
assunto quantas vezes forem necessárias,
pelo menos até a hora em que
eu chegar na esquina do Hotel São
José, onde morei muito tempo.
Na primeira crônica, com não
podia de ser, procurei avivar todas
as lembranças que marcaram
a história recente do quarteirão
do Hotel São Luiz, quando ficava
de um lado o Bar de Manoel Cândido
e, do outro lado, o Banco de Crédito
Real, tudo muito próximo da
área dos aflitos. Fui subindo,
esquina por esquina e, agora, já
estamos entre as ruas D. Pedro II
e Dom João Pimenta, pedaço
de mundo que me marcou profundamente,
pois, ali passei alguns dos melhores
momentos de minha vida de estudante
e comerciário, de jovem repórter
e de soldado do Tiro de Guerra, além
das muitas atividades como radialista
amador e como líder estudantil
no Diretório dos Estudantes.
Foi neste quarteirão que, de
1951 a 1954, morei nas pensões
de D. Ismênia Porto e D. Duca
Guimarães, levantando-me sempre
pelas madrugadas para aprender as
matérias das provas do Colégio
Diocesano e do Instituto Norte Mineiro.
Era
quase na esquina da Rua D. João
Pimenta que ficava o Bar Guarani,
um boteco alegre e bem freqüentado
desde os dias de sua fundação,
pelos idos de 1950. pequeno, de poucos
metros quadrados, quase que de centímetros,
tão curtas eram as dimensões
pelo lado de dentro e pelo lado de
fora. Quando passava de uns cinco
fregueses, necessário era que
alguns já ficassem de pé,
no passeio, encostados ou não
na parede velha e pintada de verde.
Havia umas duas mesas pequenas e algumas
cadeiras para o pessoal que gostava
de jogar damas, tomando cerveja ou
bebendo pinga.
Foi
por volta de cinqüenta a cinqüenta
e um que o Vadinho, Vadiolano Moreira,
chegou a Montes Claros, um dos poucos
rapazes de Taiobeiras que não
veio para cá para estudar,
mas, para ganhar dinheiro. Renato,
Murilo, Nenzinho, Dedé, Valtinho,
Alfredão, Tone, Quincas, eu,
todos nós viemos para enfrentar
a realidade e os sonhos dos livros.
Vadinho não. Vadinho veio para
trabalhar muito, trabalhar dia e noite,
trabalhar o quanto fosse necessário
para ficar rico, se possível
muito rico. Foi assim que o Vadinho
botou o olho no Bar Guarani, simpático,
gostoso, e não teve dúvida,
ali estava a primeira mina de sua
vida montes-clarense.
Nunca
conheci melhor comerciante que o Vadinho.
Costumo dizer que, se ele instalar
um boteco, um barzinho ou mesmo um
restaurante encima de um pé-de-mandacaru,
ainda assim teria constantes e eternos
fregueses e amigos para todas as horas.
É que ele vive cada momento,
participa interessadamente de todos
os assuntos, respeita reverente a
alegria ou a tristeza de todos que
dele se aproximam. Quando o Vadinho
comprou o Bar Guarani, fez as primeiras
mudanças, ampliou-o com mais
um espaço lateral, foi como
se uma luz nova iluminasse a paisagem
e iniciasse um novo sistema vivencial
para velhos e novos, pobres e ricos,
principalmente para os que gostavam
de futebol e de cervejas e batidas
de limão. Por lá passavam
obrigatoriamente os hóspedes
e moradores de todos os hotéis
e de todas as pensões do centro
da cidade. Nenhum estudante que se
prezasse poderia deixar de ir lá
pelo menos aos sábados e domingos,
antes ou depois do cinema. Uma coisa
era muito importante: na hora do futebol
no rádio, nos momentos dos
gols, o Bar Guarani era o epicentro
do mundo, o lugar mais barulhento
da terra.
Mas,
como sempre existe o lado contrário
de tudo, o Bar Guarani também
teria de ter um fim. O seu último
dia de real movimentação
foi o dia em que Vadinho o vendeu.
Vendeu-o por um preço de fazer
inveja, por ser o lugar de melhor
freqüência de Montes Claros.
A essa altura dos acontecimentos,
Vadinho já era um fazendeiro
rico!