Carlos
Drummond de Andrade
Amor,
pois que é palavra essencial
Amor
- pois que é palavra essencial
comece
esta canção e toda a envolva.
Amor
guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna
alma e desejo, membro e vulva.
Quem
ousará dizer que ele é só alma?
Quem
não sente no corpo a alma expandir-se
até
desabrochar em puro grito
de
orgasmo, num instante de infinito?
O
corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido,
dissolvido, volta à origem
dos
seres, que Platão viu completados:
é
um, perfeito em dois; são dois em
um.
Integração
na cama ou já no cosmo?
Onde
termina o quarto e chega aos astros?
Que
força em nossos flancos nos transporta
a
essa extrema região, etérea, eterna?
Ao
delicioso toque do clitóris,
já
tudo se transforma, num relâmpago.
Em
pequenino ponto desse corpo,
a
fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai
a penetração rompendo nuvens
e
devassando sóis tão fulgurantes
que
nunca a vista humana os suportara,
mas,
varado de luz, o coito segue.
E
prossegue e se espraia de tal sorte
que,
além de nós, além da prórpia vida,
como
ativa abstração que se faz carne,
a
idéia de gozar está gozando.
E
num sofrer de gozo entre palavras,
menos
que isto, sons, arquejos, ais,
um
só espasmo em nós atinge o climax:
é
quando o amor morre de amor, divino.
Quantas
vezes morremos um no outro,
nu
úmido subterrâneo da vagina,
nessa
morte mais suave do que o sono:
a
pausa dos sentidos, satisfeita.
Então
a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos
na cama, qual estátuas
vestidas
de suor, agradecendo
o
que a um deus acrescenta o amor
terrestre.